quinta-feira, 1 de maio de 2008

A CIDADE DOS DEFUNTOS - Capítulo VI (por Emmanuel de Cériz)

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A CIDADE DOS DEFUNTOS - Capítulo VI

Como gosto de me deitar assim tão direito e esticado e me imaginar como morto no meu túmulo de pedra.
Como morto, não propriamente morto. Fora do tempo; por uma qualquer eternidade de não-existência.
Imagino-me no meu túmulo de pedra forrado a veludo negro através do qual não passa qualquer ruído; longe da gentalha barulhenta e zumbideira que não para quieta nunca. Apetece-me tudo parado, quieto, imóvel. Na tranquilidade do silêncio; na paz eterna.
Apetece-me saborear, imaginar, que nunca nada existiu, nem existe; nem eu. Que o sonho do universo foi apenas um sonho mau, um pesadelo conturbado e agitado; cheio de tanto sofrimento e dor…
; deixem estar tudo quieto
; porque senão tudo sofre
; tudo sofre tanto
; é tanta dor
E é quase impossível não ferir, não ser ferido
; Há tanta insegurança
No existir, no viver
Há tanto sofrimento no mundo
Tanta dor
Apetece-me ficar assim, nem morto, nem vivo
Estático, imóvel
Onde nada possa perturbar
O meu isolamento
Ou a paz falsa que imagino encontrar nele
Assim muito direito
Muito alinhado
No meu túmulo
Fora do tempo
Não quero existir
Na verdade parece que me apetece que nada exista
Que nada tenha existido
Nunca
Deitado, hirto, imóvel, perfeitamente alinhado e estático
E a tranquilidade dum silêncio absoluto, imperturbado
Deitado como um fuso, numa cápsula do tempo flutuando no espaço sideral
Esticado e muito direito como num sarcófago
Parar tudo onde tudo parou
Reflectir inconsciente
Por uma qualquer eternidade


Porquê existir se é sempre melhor não existir
Porquê existir se há sempre dor e sofrimento
Porquê existir se não há nenhum sentido
Que eu consiga descobrir
Que justifique, que compense
Toda a dor
Sempre dor


É noite na cidade dos defuntos; na cidade onde nunca anoitece.
Na cidade onde é sempre poente,
Onde a luz nunca fere,
Onde nunca é dia nem noite
Neste momento invulgar anoiteceu.
E já nem o errar pelas largas avenidas apetece. Já nem o morrer um bocado em alguma das casas ou mansões que têm sempre as portas abertas apetece.
Quando esta noite acontece,
Quando esta rara noite acontece
Apenas apetece não ser
Não ser
Nunca
Nunca ser.
...

E, contudo...

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